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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ética e delação premiada

Artigo que publiquei hoje (quinta, 29/11/2012) no Estadão sobre o reconhecimento de Roberto Jefferson como réu colaborador na ação penal do mensalão.



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: América Latina no Contexto Global


Porta de Cadeia - ótimo artigo de Gabeira no Estadão de hoje, 23/11/2012

Reflexões na porta de cadeia

23 de novembro de 2012


FERNANDO GABEIRA
O escritor Henry David Thoreau disse que todo cidadão deveria visitar uma cadeia para ter uma ideia do nível de civilização da sociedade em que vive. É um desejo contra a corrente: todos querem esquecer a cadeia, um espaço de dramas e tristeza, uma espécie de purgatório onde as almas cumprem a sua pena.

A reforma do sistema penitenciário sempre foi um tema da esquerda brasileira. Assim que terminou a ditadura militar, formamos comissão para entrar nas prisões e estimulamos os mutirões destinados a liberar os que já haviam cumprido sua pena. Brizola foi mais longe, autorizando a implosão do presídio da Ilha Grande. Pessoalmente, preferia que o presídio fosse restaurado, com múltiplos usos, e permanecesse como referência histórica. Hoje são escombros e só os mais velhos se lembram daquilo, assim como do próprio lazareto, um espaço cavernoso na ilha que no período colonial servia para prender estrangeiros indesejáveis, alguns em regime de quarentena.

O PT faz parte dessa história. Formada no momento em que houve um massacre em Franco da Rocha, a Comissão Teotônio Vilela visitou dezenas de presídios. Dela participavam importantes intelectuais do PT: Antonio Candido, Marilena Chauí e Hélio Pellegrino, entre outros.

A primeira Comissão de Direitos Humanos da Câmara foi inspirada pelo deputado mineiro Nilmário Miranda (PT). Depois dele, Marcos Rolim (PT-RS) organizou uma caravana nacional para denunciar as condições carcerárias. Recentemente, o deputado Domingos Dutra (PT-MA) fez de novo a peregrinação pelos presídios. Estivemos juntos em São Luís, onde alguns presos foram decapitados num motim.

Com esse passado, fiquei perplexo com a afirmação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de que preferia morrer a viver anos numa "prisão nossa". Foram dez anos de governo petista, com vários ex-prisioneiros em sua cúpula, a começar pela presidenta Dilma Rousseff. Será que o tempo passou assim de forma tão imperceptível para os que assumiram o poder em 2002?

Nossas palavras não corresponderam aos fatos, nossa piscina está cheia de ratos. Nos presídios, o governo petista foi apenas uma continuidade medíocre das forças que combatia.

As cadeias brasileiras ganharam visibilidade com a passagem por elas de intelectuais da esquerda. A própria Ilha Grande foi celebrizada por Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere, transformado em filme. Com a prisão dos opositores ao regime militar de 64, nova luz se fez sobre os presídios. Daí, no período de democratização, os inúmeros esforços para chamar a atenção sobre eles e a necessidade de humanizá-los e modernizá-los.

Com pena superior a dez anos, o destino de José Dirceu despertou em Cardozo e no ministro do Supremo Tribunal Dias Toffoli, uma nova reflexão sobre o Código Penal e os presídios. Não é o mesmo tipo de prisão de Graciliano, de Nise da Silveira ou mesmo dos opositores da ditadura militar. Os argumentos não são mais políticos nem se fala em investimentos e reformas em presídios. Toffoli lamentou que um diretora do Banco Rural fosse presa porque era uma bailarina e não representava perigo. Açougueiros ou motoristas de caminhão representam algum perigo? Sua tese indicava que a cadeia deveria ser reservada aos crimes de sangue.

Não se deve ser como a China, que fuzila corruptos. Mas daí a ter uma nova tolerância com a corrupção vai enorme distância. Não era a esquerda que afirmava que a corrupção, desviando recursos vitais para os mais pobres, os condena à morte mais rápida? É uma ironia que uma parte do universo político se interesse pelas penitenciárias porque José Dirceu foi condenado.

No mundo real - em que os delicados, como dizia o poeta, preferiam morrer -, incêndios de ônibus, assassinatos, rastros de fumaça, tudo parece vir dos presídios. Maus tratos e execuções sumárias são usados como pretexto para incendiar as ruas. Uma política real de direitos humanos tende a reduzir esses pretextos. Mas, ainda assim, há novos elementos que a experiência no campo dos direitos humanos me obriga a refletir. O primeiro é o silêncio com que o movimento recebe a morte de policiais. Continuamos vendo os direitos humanos ameaçados apenas pelo Estado, ignorado novas frentes de ameaça, como traficantes e milícias.

Outra ilusão, que os ingleses superaram: a de que os presos cessam de cometer crimes quando vão para a prisão. Eles criaram um setor destinado a prevenir, investigar e até punir os crimes dentro dos presídios. A situação carcerária é muito complicada nas cadeias superlotadas, mas também nas chamadas penitenciárias de segurança máxima, onde estão os presos mais perigosos.

O mensalão é uma gota nesse oceano que envolve 300 mil pessoas e suas famílias. Não se resolve a questão como na vida cotidiana. Roberto DaMatta diz que muitos brasileiros odeiam fila porque é um tratamento democrático. E às vezes dão um jeito de obter um tratamento especial.

As falas de Cardozo e Toffoli não me entristecem apenas porque ressaltam a ineficácia do governo na reforma dos presídios. Entristecem porque a esquerda, além de desprezar o discurso humanista na prática do poder, opta, em defesa própria, pela visão aristocrática que tanto combateu no século passado.
O problema dos presídios continua a existir, apesar de todas as abordagens escapistas. Por que não aproveitar o momento e encarar uma reforma?

É preciso aceitar a premissa de que a cadeia é para todos os condenados a ela. Isso dá novo sentido àquela frase de Thoreau. É bom conhecer a cadeia não só para testar o nível de civilização do País. Um dia, você mesmo, ou alguém muito próximo, pode passar alguns anos por lá.

Ainda sonho com a cadeia. Não com as paredes de concreto, sua atmosfera, mas como uma sensação abstrata de imobilidade. É apenas a metáfora da inércia diante de atitudes que precisam ser tomadas no cotidiano.

Os presídios no Brasil são da Idade Média, diz o ministro. E as nossas cabeças foram detidas quando? Em que cela ou calabouço elas adormecem até hoje?

Como dizia o humorista carioca Don Rossé Cavaca: acorda, já é 2012 e você precisa trabalhar.

Os precedentes da AP470

O caso do mensalão - Ação Penal 470 - tem recebido muito destaque, entre outras coisas, porque é muito peculiar. Nunca antes um conunto tão grande de pessoas política e economicamente poderosas foi condenada de maneira tão célere e dura como neste caso.

A esperança de que o mensalão represente uma mudança de padrões na política brasileira, bem como no comportamento do Poder Judiciário em face da criminalidade de pessoas poderosas, só se sustenta diante do pressuposto de que ele marcará um precedente aplicável a casos futuros.

A questão é: como saber se os vereditos da AP 470 constituirão, de fato, precedentes? O fato de o caso ser muito único de alguma forma limita seu potencial para servir como padrão para casos futuros? (Da mesma forma que, na própria AP 470, a ação penal que absolveu o Collor não valeu como precedente para os casos de corrupção passiva?)

Compartilho, abaixo, uma boa reflexão a esse respeito, publicada n'O Estado de S. Paulo de ontem.











A questão dos precedentes não tem só relevância para os países de common law, como alguns imaginam. A exigência de que casos passados sirvam de parâmetro para casos futuros semelhantes não é uma demanda de uma família jurídica particular, mas sim de justiça procedimental. É um pressuposto da própria noção de que regras têm algum valor em processos decisórios, e essa é uma esperança que nutrimos também no mundo do direito romano-germânico.

Para uma boa leitura a esse respeito, que não posso postar aqui por respeito a normas de direitos autorais, sugiro o ótimo, ótimo, ótimo (não posso enfatizar isso suficientemente) Retórica e Estado de Direito, de Neil MacCormick, disponível em português (Ed. Elsevier) em uma confiável tradução. Em tempo: MacCormick, falecido recentemente, é escocês, e a Escócia, ao contrário do que muitos imaginam, é um país com sistema jurídico em grande parte de civil law, ainda que faça parte do Reino Unido. (Vá entender... Se o Weber não conseguir decifrar "a questão da inglaterra", quem sou eu para tentar.)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

@ DeJusticia: Defesa da vida desde a concepção? Proibição de fertilização in vitro na Costa Rica


Já viram alguém defender a vida através do banimento de tecnologia que possibilita a casais de baixa fertilidade que engravidem? É mais ou menos como combater obsidade infantil distribuindo Baconzitos nas escolas, não?

Pois a Costa Rica fez justamente isso, ao proibir, em nome da defesa de vida "desde a concepção", a fertilização in vitro (FIV). Trata-se do único país latinoamericano a bancar esta política genial (com G ou J?). Para uma breve notícia sobre a política costariquenha, clique aqui.

A proibição da FIV foi validada pela suprema corte da Costa Rica ("Sala Constitucional") em 2000 e está agora sendo questionada perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em breve emitirá decisão a respeito (Caso Artavia Murillo y otros vs. Costa Rica).

Nesse processo, a ONG colombiana DeJusticia - que reúne alguns dos melhores juristas da Colômbia - apresentou um ótimo amicus curiae perante a CIDH, argumentando que a política agride a todos os direitos sexuais e reprodutivos que se possa imaginar, além de uns e outros ligados à liberdade de pensamento (porque restringe a liberdade científica injustificadamente). E, melhor, o faz de maneira breve, consistente e bem fundamentada. Compartilho com os leitores do Metablog a peça, que bem poderia servir de modelo para nossos arrazoados foreneses. Basta clicar aqui. É um bom exemplo de argumentação em caso de conflitos de direitos fundamentais.