Metablog Jurídico é uma reunião de posts, textos, podcasts, vídeos e outras referências tiradas de um conjunto de páginas de instituições de ensino, centros de pesquisa, blogs de acadêmicos e outros foros de apresentação e debates sobre temas jurídicos relevantes.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Alguns textos disponíveis online

A maioria das coisas que publiquei na vida tem restrições de direitos autorais, infelizmente.

Digo "infelizmente" porque não ganho absolutamente nenhum dinheiro com isso e a restrição só impede o acesso fácil ao material.

Quando meu primeiro filho nasceu (o segundo não nasceu ainda, mas chega nesta semana), o quarto da frente da maternidade onde estávamos era ocupado pela esposa de um sujeito muito famoso no mercado editorial jurídico, desses que vendem quase 100 mil livros por ano, com foco em alunos de graduação e concurseiros. O enfeite de porta da maternidade era um ursinho, sentado em um quartinho, segurando entre as suas patinhas um livrinho... Sim, o livrinho do ursinho era o manual escrito pelo pai. E o nome da bebê recém nascida, segundo informava o enfeitinho de porta, era Manuela. Não sei se, além do enfeite, também o "Manuela" foi em homenagem ao "Manual", mas vendendo 100 mil livros e ganhando 10 reais de direitos autorais por cada um deles, façamos as contas e constatemos que nenhuma homenagem será excessiva.

Como não é esse o meu caso, junto meus textos em um página gratuita e os ofereço a quem quiser, na certeza de quem continuarei pobre no que depender dos meus direitos atuorais. Tenho tentado coletar aqueles sobre os quais não há restrição - porque já estão em domínio público, ou porque nunca foram publicados, ou porque o foram em veículos de acesso livro - e reuni-los em uma só página, para facilitar sua localização e acesso. A lista de textos ainda é pequena, mas tende a aumentar constantemente.

Destaco minha dissertação de mestrado (Sursis e Livramento Condicional...), que hoje eu escreveria de um jeito totalmente diferente se fosse voltar ao tema, mas que ainda assim eu tive grande prazer em escrever e cujo resultado final agradou à banca (e também a mim).

Para ver os textos, clique aqui. De tempos em tempos, incluirei coisas novas, conforme sejam publicadas, ou eu as encontre nos meus arquivos.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

@ Política | Justiça: USP, polícia e democracia

Sei que já não há mais quem aguente a discussão sobre polícia, maconha, Rodas, USP e cia., mas dois acontecimentos recentes me sugerem uma postagem a este respeito.

 

O primeiro foi a foto de capa da Folha de S. Paulo de hoje (25/11/2011), que vale mil palavras, embora talvez a senhora da foto esteja sendo um pouco simplista no seu julgamento:

 

O segundo é o bom texo de Frederico Normanha de Almeida a respeito do tema, publicado nesta semana no Política | Justiça. Vale a leitura.

 

USP, polícia e democracia 

 


por Frederico Normanha de Almeida



Duas semanas depois do início das perturbações pelas quais passa a Universidade de São Paulo, e que envolvem a questão da segurança na Cidade Universitária - mas não só - resolvi escrever algumas linhas contendo minhas impressões. Falo um pouco como intelectual e cientista social, mas falo principalmente como filho - típico e orgulhoso - da USP.
Filho típico, pois minha trajetória é semelhante à de muitos - a maioria, estou certo - dos estudantes atuais e dos últimos 30 ou 40 anos da USP. Foi o aumento de vagas no ensino público superior, nos anos 60, que permitiu que uma classe média surgida durante o regime militar, e que teve nos seus filhos a primeira geração com diploma de nível superior, ascendesse e se posicionasse socialmente. No meu caso, meus pais, nascidos na década de 40, foram a primeira geração familiar com diploma de nível superior, mas nós, seus quatro filhos, é que consolidamos a trajetória familiar ascendente ao alcançarmos vagas em universidades públicas ou em instituições privadas de excelência.
Há na USP, de fato, uma elite que se reproduz há diferentes gerações, graças aos seus recursos econômicos próprios, mas também ao acesso a uma Universidade que foi criada pela elite paulista como um projeto cultural de modernização conservadora e de reprodução de seu próprio poder como elite; mas é fato, também, que a expansão do ensino superior diversificou o público da USP, possibilitando que seu diploma servisse de visto de entrada de filhos da classe trabalhadora e das classes médias em um novo círculo social. Mais do que isso, a apropriação, por novos atores sociais, do capital cultural produzido e reproduzido pela USP alterou definitivamente o rumo da universidade criada pela aristocracia paulista como alternativa ao projeto modernizador de Vargas.
Além de filho típico, sou também orgulhoso: apesar de suas carências de recursos humanos e materiais, e das contradições entre um projeto conservador e elitista de universidade, por um lado, e as pressões por sua universalização e democratização, de outro, a USP figura entre as melhores instituições de ensino e pesquisa da América Lativa (em posição de destaque) e do mundo (em posição secundária, mas relevante, tendo em vista sua história recente e seu contexto sócio-econômico). Experimentei, ao longo de treze anos, as contradições, as carências e a excelência da USP, e devo minha posição atual e minha formação como cidadão e intelectual, em grande parte, ao legado cultural humanista que adquiri por vias tortas e pouco curriculares na graduação na Faculdade de Direito (a famosa "São Francisco", na qual o movimento estudantil e a atividade cultural e política me foram mais importantes que as aulas), e por um aprendizado curricular e rigoroso no programa de pós-graduação em Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (a hoje tão falada FFLCH, onde me formei, de fato, um cientista social).
A PM na USP 
O estopim da atual crise política na USP se deu com a prisão em flagrante de três estudantes da FFLCH, que foram surpreendidos pela Polícia Militar no último dia 27 de outubro fumando maconha, dentro de um carro, no estacionamento da Faculdade. Houve intensa mobilização de outros estudantes para impedir a prisão dos três colegas, que tomou a forma de um protesto coletivo espontâneo, tendo sido reprimido com violência pela PM. Como extensão do protesto - contra a presença da PM no campus, contra a prisão dos três alunos flagrados pela PM e contra a repressão da PM ao protesto inicial - os estudantes ocuparam o prédio da administração da FFLCH.
Nesse ponto, acho importante separar algumas coisas que são, na minha opinião, bastante diferentes. Há uma longa e antiga discussão sobre a presença da polícia no campus. Tendo por referência a triste experiência da nossa última ditadura, criou-se uma posição política clara, por parte da comunidade acadêmica, contra a presença da polícia nos campi universitários brasileiros. A nossa ideia nativa de "território livre", portanto, soma à cultura de autonomia universitária, presente em instituições do mundo todo, um componente político típico das dificuldades de institucionalização democrática do antigo mundo colonial.
Minha posição: a presença da PM no campus da USP (ou de qualquer universidade) não tem hoje o sentido que tinha na ditadura. Não quero dizer que a polícia mudou muito de lá para cá, mas sim que mudou o contexto no qual polícias e universidade estão inseridas. Se a nossa polícia mantém práticas autoritárias estimuladas pelo regime militar (e, sim, as mantém), isso não quer dizer, por si só, que não tenhamos obtido ganhos significativos em nosso processo histórico recente de criação e aperfeiçoamento de instituições políticas e de uma cultura democráticas. Esse avanço vale também para o ambiente universitário - apesar de ressalvas que farei adiante.
Ou seja: temos uma polícia autoritária e ultrapassada, funcionando em um contexto onde predominam (ou onde esperamos e lutamos para que predominem) valores e regras democráticas. Isso, porém, não é uma contradição que surge quando a PM entra no campus universitário; isso é uma questão política e social gravíssima que afeta toda a sociedade brasileira e a nossa ainda frágil democracia. Simplesmente recusar a presença da PM no campus, em nome da liberdade e da democracia, e contra o autoritarismo e a violência arbitrária do Estado, é deixar do lado "de fora", e para "os outros", um problema que é de todos. Acho que não só temos que aceitar a polícia na USP, como temos que exigir que ela esteja lá cumprindo, e bem cumprida, sua função constitucional. Temos que ir além: temos que exigir do Estado uma nova polícia, desmilitarizada e responsável, respeitadora das regras democráticas e dos direitos humanos. E temos que exigir isso dentro e fora da USP.
Há um setor significativo da academia e da militância social brasileira - refiro-me, entre outros, à sociologia da justiça e da violência, especialmente, e aos movimentos de direitos humanos - que resolveram enfrentar esse dilema, encarando a difícil tarefa de se pensar o uso da violência legítima pelo Estado e o papel da segurança pública em uma sociedade democrática. Apelar para o marxismo raso, que acusa o caráter classista e ideológico da repressão estatal, e jogar o problema para fora da Cidade Universitária não me parece suficiente para uma discussão e para um encaminhamento satisfatório da questão. Acompanho de perto essa discussão acadêmica e política, e afirmo: não é essa uma pauta relevante da maior parte do movimento estudantil atual e da época em que nele militei.
Dito isso, destaco outro fator que deve ser analisado de maneira diferenciada nesse episódio. Como disse, tenho uma posição clara sobre a polícia, em geral, e sobre a PM na USP, mas aceito como legítima e necessária toda e qualquer discussão dessa questão, incluindo as posições que recusam, em absoluto, a presença de forças estatais de segurança num campus universitário. Porém, acredito que não faz sentido algum que essa discussão - legítima, repito - seja empregada como mote de uma mobilização coletiva para impedir, numa situação bastante específica, a prisão de estudantes que foram flagrados praticando um ato que, todos sabemos, é crime. Ninguém até agora me convenceu de que os três estudantes fumavam maconha como um ato de protesto - ao contrário, me parece que se tratava apenas de um uso recreativo, como é feito por milhões de pessoas no mundo todo. Também não recebi nenhuma informação de que a abordagem desses três alunos e sua prisão pela PM tenha sido violenta - hipótese na qual eu aceitaria como justa uma revolta coletiva dos estudantes, contra o abuso da força policial e em defesa da integridade de seus colegas. Sou a favor da descriminalização das drogas - não apenas do seu uso e não apenas da maconha - e defendo a liberdade dos indivíduos de fazerem o que bem entenderem de seus corpos e de suas vidas, mas não acho sensato se esperar que, num contexto de criminalização e de riscos criminais evidentes ao usuário, um policial em serviço tolere a prática de um crime só porque está dentro da USP.
 
Democracia na Universidade
É preciso admitir, porém, que a crítica dos estudantes (apesar de mal colocada, a partir do episódio do dia 27) vai além da simples presença da PM na USP, e toca em um ponto que merece atenção: as instâncias decisórias da Universidade sofrem de um déficit democrático e, pelo que alegam estudantes, professores e funcionários, a gestão de João Grandino Rodas como reitor adiciona a esse fator institucional um componente político relacionado às suas características de liderança e personalidade.
Rodas tem fortes conexões com o poder político, especialmente com os grupos dominantes na política paulista - não à toa, foi escolhido reitor da USP em uma lista tríplice no qual não era o primeiro colocado. Sua passagem anterior pela Direção da Faculdade de Direito foi polêmica. Iniciou um projeto de reforma e modernização dos prédios da velha São Francisco, apelando para a prática de doações privadas e patrocínio de espaços. Comprou briga com o movimento estudantil local e com o Centro Acadêmico XI de Agosto ao convocar a Tropa de Choque da PM para retirar do prédio da Faculdade militantes sociais que protestavam contra a exclusividade no acesso à educação pública.
À mesma época, a Cidade Universitária (para quem não sabe, a Faculdade de Direito não fica no campus central da USP) era palco de mais uma das recorrentes greves de funcionários, docentes e estudantes, que se repetem ano sim, ano não (quando não todo ano). Como todo ano de greve, o ritual grevista se reproduziu - assembleias, manifestações, ocupações de prédios, negociações, desocupações. Rodas escreveu um duro artigo na imprensa, acusando a então reitora Suely Vilela de ser conivente com ações criminosas por parte dos grevistas, e defendendo que caberia à Reitoria convocar a PM para desocupar os prédios da Universidade tomados pelos manifestantes - assim como ele tinha feito na São Francisco. Com aquele artigo, que deslegitimou publicamente a reitora da Universidade da qual ele e sua unidade faziam parte, Rodas anunciou e garantiu sua eleição para suceder Vilela.
Uma vez reitor, Rodas passou a sofrer acusações de intimidar e ameaçar de expulsão professores, funcionários e estudantes grevistas a partir de processos administrativos instaurados com base em legislação originária da ditadura militar, e portanto, de legitimidade duvidosa. Deslegitimou publicamente, em veículo de comunicação oficial da USP, o atual diretor da Faculdade de Direito, seu sucessor, insinuando a prática de ilegalidades administrativas. Em reação, foi declarado persona non grata pela Congregação da Faculdade de Direito. Rodas articulou o apoio de diretores de outras unidades e de setores jurídicos, e conseguiu anular a reação da Faculdade de Direito, isolando politicamente o atual diretor.
Nesse ponto, também é preciso ter clareza para se diferenciar questões estruturais e questões circunstanciais. Rodas não inventou a falta de democracia na USP - que é, ao contrário, um problema crônico. Também não se pode atribuir somente a ele a responsabilidade por práticas intimidatórias que podem vir tanto de diretores de unidade, no campo de sua autonomia, quanto diretamente de agentes externos como a polícia ou o Governo do Estado, mantenedor da Universidade. Por outro lado, não podemos ser ingênuos a ponto de acharmos que esses fatores são totalmente independentes. Em política - e a questão da USP e da universidade pública é, sim, uma questão política - fatores se associam, pela ação consciente ou inconsciente dos atores, para criarem aquilo que chamamos, no senso comum, de "momento" ou "conjuntura".
Por isso, é preciso dar ouvidos e um tanto de razão aos estudantes, que associam, nesse momento específico da Universidade, a presença da PM no campus a uma estratégia global de intimidação e desmobilização dos movimentos sindical e estudantil. Insisto no que já falei: presença de polícia no campus não é, por si só, sinônimo de repressão à liberdade acadêmica. Por um lado, o Estado tem mecanismos mais sutis e eficientes para orientar o pensamento científico e a militância política na Universidade, do que a presença de policiamento ostensivo - a destinação de recursos de pesquisa e a presença de agentes de inteligência inflitrados são apenas alguns deles, e certamente já são usados sem economia. Por outro lado, se a PM está lá para revistar e prender estudantes, e não para patrulhar a enorme Cidade Universitária e evitar os recorrentes estupros e assaltos, então é preciso de fato se discutir o que se espera da segurança no campus da USP.
 
A força dos estudantes
Como disse, acho que esse episódio teve um estopim equivocado (a reação à prisão dos estudantes que fumavam maconha), mas levantou diversas questões extremamente relevantes para se pensar o futuro da USP e da universidade pública. Apesar da inconsequência e da pequenez das razões iniciais da reação estudantil, as ações posteriores do movimento têm demonstrado a força, a responsabilidade e a solidariedade que se espera ver no corpo discente de uma universidade.
Logo após o incidente do dia 27 de outubro e da ocupação do prédio da administração da FFLCH, uma assembleia do Diretório Central dos Estudantes (o DCE-Livre) da USP decidiu pela desocupação do prédio e pelo encaminhamento de um debate objetivo e responsável sobre segurança no campus, apresentando uma série de propostas - bastante sensatas, ao meu ver, apesar da recusa absoluta à presença da PM - que deveriam ser levadas à Reitoria para negociações.
Ao que consta, um grupo minoritário e derrotado na assembleia, decidiu por conta própria ocupar a Reitoria da USP. Sei que há versões diferentes da história, que dizem que houve uma manobra das lideranças do DCE para impedir a aprovação de uma nova ocupação e o encaminhamento do debate em outros termos. Não entrarei no mérito dessa versão, pois ela envolve divisões internas do movimento estudantil que expõem clivagens - que conheço, mas acho pouco relevantes - entre as representações estudantis de diversos partidos da esquerda brasileira, desde o hegemônico PT até suas dissidências mais radicais, como o Partido da Causa Operária e o Movimento Negação da Negação. O fato é que essas disputas internas têm no contexto do movimento estudantil uma repercussão desproporcionalmente maior do que têm na sociedade e na política brasileira, o que é sintomático do risco de isolamento e alienação que corre a política estudanti, e por consequência, a USP.
De qualquer forma, o importante é que, mesmo tendo desautorizado publicamente a ação de ocupação da reitoria, o DCE-Livre da USP manteve-se mobilizado em torno da questão, e na defesa dos ocupantes quando da ação policial de reintegração de posse, autorizada pela justiça. Mais do que isso, a ação minoritária do grupo derrotado na assembleia ensejou uma nova e maior mobilização dos estudantes em defesa da autonomia universitária, contra a PM no campus e contra o reitor Rodas. Desde a ação policial que desocupou o prédio da Reitoria - por meio de uso excessivo e abusivo da força, é bom lembrar -, e que resultou na prisão de 73 estudantes, sucessivas e gigantescas assembleias estudantis foram realizadas em diversas unidades da USP - incluindo na conservadora e pouco envolvida Faculdade de Direito, unidade de origem do atual reitor.
Nesse aspecto, a política e o movimento estudantil mostram seus méritos. Mostraram espírito de grupo e solidariedade quando a PM mobilizou uma operação de guerra, desproporcional à ameaça representada pelos estudantes, para desocupar a Reitoria ocupada por grupos aparentemente minoritários do movimento estudantil. Recolocou a questão em seus adequados trilhos, ao afastar o episódio inicial como razão central da mobilização, e apontar a truculência da polícia e a falta de diálogo com a Reitoria e o Governo do Estado como ameaças reais à democracia no campus.

As
multidões que compõem as diversas mobilizações estudantis da última semana certamente não são compostas de "maconheiros" em defesa da liberdade de se fumar maconha. Também não são "baderneiros" defendendo ocupações de prédios e depredação de patrimônio - ao contrário, novas ocupações têm sido sistematicamente rejeitadas pelas assembleias, que optam pelo protesto pacífico e pelo encaminhamento de demandas e negociações sobre a gestão e a segurança da USP. Mais do que isso, essas multidões são compostas pela diversidade do corpo discente da USP: dos "mauricinhos" de camiseta GAP aos "revolucionários" de camiseta do Che Guevara. E nesse ponto, acredito, está o grande mérito do movimento estudantil no atual momento: romper com a apatia entre estudantes, trazer para o debate os colegas "apolíticos" e os politizados, a direita e a esquerda, os favoráveis e os contrários à PM, os defensores e os opositores das ocupações de prédios - enfim, restaurar o espaço público como lugar do debate democrático.
 
Pensar o futuro da USP é pensar o futuro do Brasil - e vice-versa

Apontei um início equivocado desse movimento que, agora, vejo com bons olhos. Poderia, então, ser diferente? Talvez não - a história e a política se desenvolvem necessariamente sobre a imprevisibilidade e a contingência. Porém, não deixa de ser preocupante que uma mobilização legítima e democrática só tenha surgido pela ação dos extremos irracionais desse conflito: graças ao radicalismo e da incompreensão de alguns estudantes, por um lado, mas também da PM, da Reitoria e do Governo Estadual, de outro, é que hoje temos um debate e uma mobilização amplos e expostos à sociedade e a toda comunidade acadêmica, sobre as ameaças à universidade pública e à autonomia universitária.

O grande desafio desse momento, para o movimento estudantil e seus aliados, é o de romper os sensos comuns presentes dentro da USP (sobre a própria USP e o mundo) e fora da USP (sobre a sociedade brasileira e a USP), e construir um debate objetivo e responsável sobre a Universidade - e a sociedade - que queremos. Para tanto, é preciso ir além dos slogans e palavras de ordem fáceis e repetidas (dentro e fora da USP, pela direita e pela esquerda) há pelo menos 30 anos. Os lamentáveis excessos e a incompreensão mútua das partes desse conflito, que deram origem ao momento atual (e que ainda o acompanham), mostram que, talvez, a USP (ou parte dela, representada por setores do movimento estudantil) não seja capaz de compreender adequadamente a sociedade que existe do lado de fora da Cidade Universitária, e que a sociedade brasileira (incluindo sua opinião pública  e suas instituições) não sabe compreender adequadamente o papel da universidade pública.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

@ Política | Justiça: Advocacia pro bono e o acesso à justiça no Brasil

Dez anos do Instituto Pro Bono no Brasil. Para quem quiser conhecer melhor a sua atuação, que é a mais importante e consistente na área no país, visite a página do IPB.

A advocacia pro bono e o acesso à Justiça no Brasil


Em 2011 o Instituto Pro Bono completa 10 anos, e sua história é também, em parte, a história das dificuldades de se pensar e resolver o problema do acesso à Justiça no Brasil.

A prática da advocacia pro bono no Brasil se ancora em uma longa tradição de advocacia voluntária, originária do ideário liberal que conformou a profissão entre nós. A atuação voluntária de advogados nas chamadas ações de liberdade, que buscaram no Judiciário a libertação de escravos; a atuação de prestigiados advogados na defesa de presos políticos em nossos dois regimes de exceção do século XX; e a rotineira defesa de pessoas carentes por grandes nomes da advocacia brasileira, em todos os tempos, são sempre exemplos lembrados por aqueles que, ainda nos dias de hoje, defendem esse tipo de atuação.

Porém, a introdução da concepção de advocacia pro bono no Brasil, no final da década de 1990, busca em outra tradição liberal — a norte-americana — a fundamentação para a renovação daquela tradição da advocacia brasileira de defesa gratuita de pessoas carentes. É prática comum, nos Estados Unidos, que advogados e escritórios de advocacia dispensem parte de seu tempo à ação voluntária de defesa e representação de interesses de pessoas e grupos carentes de recursos. Essa característica da cultura profissional da advocacia nos Estados Unidos tem suas bases lançadas já na formação dos futuros advogados, que além do treinamento para as práticas mais diretamente relacionadas com o mundo dos negócios privados, são desde cedo estimulados à prática da advocacia pro bono em questões de interesse público, especialmente por meio das clínicas jurídicas das escolas de direito. Nesses termos, a concepção meramente assistencialista assume o caráter de uma cultura de responsabilidade social da advocacia.

Contudo, a introdução da advocacia pro bono no Brasil, ainda que apenas renovasse uma longa tradição de advocacia voluntária já existente em nossa cultura profissional, enfrentou — e ainda enfrenta — uma série de dificuldades. A primeira delas tem a ver com os rígidos controles exercidos pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sobre a prática profissional, e que, preocupados em evitar o aviltamento da profissão e garantir patamares mínimos de dignidade profissional em um contexto de concorrência praticamente livre entre colegas, proíbem que o advogado preste serviços de forma gratuita.

Há, por trás dessa posição da OAB, uma legítima preocupação com os riscos da concorrência desleal entre pares e da prática indesejada da captação de clientela. Nesse aspecto, o Instituto Pro Bono, formado por advogados e escritórios de advocacia para defender e difundir a prática pro bono no Brasil, foi extremamente hábil e responsável ao assumir a interlocução com a OAB, de modo a sensibilizar seus dirigentes para a importância de se ampliar e se diversificar os mecanismos de ampliação do acesso à justiça no Brasil, ao mesmo tempo em que construiu com a Ordem dos Advogados uma regulamentação capaz de prevenir os riscos indesejados e de orientar uma boa prática pro bono.

Ainda assim, a atual regulamentação da prática pela OAB permite o assessoramento gratuito apenas a entidades do terceiro setor carentes de recursos financeiros para a contratação de serviços especializados de advocacia. Essa restrição gera potenciais positivos, mas tem também suas limitações. O principal potencial é o de que, a partir dessa regulação, organizações não-governamentais ainda em desenvolvimento encontraram no movimento da advocacia pro bono um necessário e qualificado reforço jurídico às suas atividades, podendo assim enfrentar uma das principais dificuldades enfrentadas no sentido da sobrevivência e da profissionalização no terceiro setor: a superação das barreiras formais e burocráticas para a constituição de pessoas jurídicas capacitadas a prestarem serviços relevantes à sociedade e a buscarem recursos financeiros para isso.

Outro potencial decorrente da atual regulamentação da OAB sobre a prática pro bono tem a ver com o desenvolvimento de uma expertise jurídica do terceiro setor. Nesse aspecto, o Instituto Pro Bono tem canalizado, com sucesso, o conhecimento acumulado por advogados e escritórios em suas áreas originais de atuação, e gerado importantes recursos de apoio jurídico ao terceiro setor, e que se convertem, especialmente na forma de cartilhas e mutirões, em conhecimento jurídico disponível a toda a sociedade. Dessa forma, a atuação de assessoria jurídica ao terceiro setor tem impacto e difusão em escala certamente muito maior do que teria a advocacia pro bono voltada exclusivamente a indivíduos, pessoas físicas carentes de recursos financeiros.

Resta aí, porém, um grande desafio a ser superado, e que vai muito além de se permitir ou não a advocacia pro bono como prestação de serviços a pessoas físicas. Esse dilema não é só um dilema da OAB ou da advocacia pro bono, mas da própria dinâmica de restrições e ampliação do acesso à justiça, em todo o mundo. As ondas do acesso à Justiça (assim nomeadas pelo clássico estudo comparativo de Mauro Cappelletti e Bryant Garth no chamado Projeto de Florença) se caracterizaram por sucessivas inovações na forma e no alcance das ações estatais e privadas voltadas para que se possibilitasse o maior acesso possível das pessoas aos mecanismos oficiais e alternativos de resolução pacífica de conflitos.
Assim, partindo do assistencialismo liberal do Estado e da advocacia privada, voltado para indivíduos carentes em situação de extrema necessidade, vários países desenvolveram sistemas de acesso à justiça sofisticados e diversificados, que incluem formas estatais e não-governamentais de oferta de serviços legais, como assessoria gratuita a organizações sociais e pequenas empresas, escritórios privados financiados por fundações e pelo poder público, mediação, conciliação e arbitragem extrajudicial, além de diferentes tipos de defensorias públicas.

Há, porém, uma variedade de arranjos entre esses modelos, feitos de maneiras diferentes em cada país — e, por isso mesmo, alcançando resultados diversos. Mesmo nos Estados Unidos, onde a prática pro bono é bastante difundida, a ausência de serviços estatais como a nossa defensoria pública, a fragilidade do sistema de proteção social e a carência de recursos agravada pela recente crise financeira, têm colocado a advocacia pro bono em uma situação bastante delicada. Escritórios privados e organizações sociais dedicadas à advocacia voluntária lutam para manter a sua atuação, ao mesmo tempo em que enfrentam as demandas crescentes, no que se refere ao acesso à Justiça, de uma sociedade ameaçada pelo desemprego e por conflitos étnicos e sociais mais ou menos explosivos.


Por isso, nos 10 anos do Instituto Pro Bono, é preciso mostrar à sociedade e ao Estado brasileiros que o esperado fortalecimento das defensorias públicas e todas as ações de informalização e agilização da justiça — caminhos já aceitos como necessários para enfrentamento do problema — não podem excluir a diversificação de serviços legais e a inovação de metodologias de resolução de conflitos, a fim de garantir aos cidadãos o seu direito fundamental de acesso à Justiça.


Frederico de Almeida é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e Coordenador de Graduação da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (DIREITO GV).

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Arnaldo, pode isso? Limitação de visita íntima de presas colombianas sob fundamento de proteção de higiene


Cuando la higiene vulnera los derechos fundamentales

Mauricio Noguera

 

 


Bajo el argumento de procurar la higiene, se les está limitando a las mujeres el derecho a la visita íntima en las cárceles.



Algunas reclusas de la cárcel de mujeres de Jamundí han denunciado que les exigen serologías y exámenes de VIH para acceder al derecho a la visita íntima. La denuncia no es nueva y su persistencia es bastante preocupante, especialmente porque bajo el argumento de la higiene las internas pueden dejar de recibir visitas, incluso por varios meses.


Ante estas denuncias la organización Colombia Diversa interpuso un derecho de petición en el que la respuesta de la dirección del penal fue contundente: “preservando el principio de higiene se envía a las internas que solicitan visita íntima a la toma de frotis vaginal en aras de propender la seguridad en la transmisión de enfermedades de transmisión sexual.”


Al respecto, la Corte Constitucional ha considerado que si bien la visita íntima es un derecho fundamental, no es un derecho absoluto (incuestionable) y debería ponderarse su restricción ante situaciones que lo ameriten. A juicio del INPEC, la salubridad e higiene constituyen razones suficientes para limitar la visita íntima con el prerrequisito de la serología, sin embargo, esta situación no tiene en cuenta cuando menos cuatro aspectos.


En primer lugar, se afecta el principio (18) de periodicidad en las visitas reconocido por la Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Las denunciantes de la cárcel de Jamundí relatan que los resultados de las serologías pueden durar dos, tres o más meses en entregarse, por lo cual el derecho a la visita íntima mensual, puede llegar a ser trimestral.


En segundo lugar, la preservación de la higiene no es una tesis irrebatible. Si bien la Corte Constitucional coincide con el INPEC al señalar su relevancia, en la sentencia T-062 de 2011 al estudiar la situación de internos que asumen una identidad de género femenina, el argumento del aseo personal para obligarles a cortarse el cabello y las uñas no fue suficiente, pues suponía una restricción a la construcción de su feminidad y por ende de su libre desarrollo de la personalidad. Entonces, el argumento de la higiene cede ante violaciones a derechos fundamentales como en este caso.


En tercer lugar, la salud sexual y reproductiva debe ser preventiva y no un límite para otros derechos. El INPEC ha condicionado la visita a que los resultados de la serología muestren que la interna no tiene ninguna enfermedad de transmisión sexual -ETS-, si el argumento es la salubridad, el uso del condón y la educación sobre ETS debería ser prioritaria. Corresponde a la interna y su visitante determinar responsablemente qué tipo de expresiones de afecto se manifiestan y no a la dirección de los penales limitarlas de plano.


En cuarto lugar, la imposición de este tipo de exámenes vulnera el derecho a la intimidad. Desde el año de 2006 la Procuraduría, siguiendo la jurisprudencia en materia de este derecho, señaló en el informe Mujeres y Prisión en Colombia que la exigencia de requisitos como exámenes de laboratorio para acceder a la visita íntima “vulneran el derecho a la vida sexual y a la intimidad de las mujeres privadas de la libertad y sus parejas”.


La persistencia en la denuncia de estos hechos debería ser tomada por el INPEC como un llamado de atención para vigilar cuidadosamente las regulaciones que realizan los establecimientos penitenciarios y carcelarios en materia de visitas íntimas, teniendo en cuenta especialmente que en el proyecto de nuevo Código Penitenciario se reitera la higiene como un principio del que sería importante aclarar no es absoluto.


La higiene, la salubridad y la protección a la salud sexual y reproductiva constituyen principios valiosos que deben protegerse en los establecimientos carcelarios, pero la protección de estos derechos debe partir de la prevención, la información para el ejercicio de la sexualidad en forma responsable, no de la imposición y la limitación de derechos fundamentales. De lo contrario, el argumento de la higiene se convierte en violatorio de la dignidad de las mujeres y de su intimidad, y en lugar de proteger la salud sexual de las internas se configura así una nueva forma de vulneración. 

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Novo vídeo no "Para ver"

Jeremy Waldron, professor da NYU, em uma longa entrevista sobre dignidade humana e tortura no contexto do combate ao terrorismo.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

@ Stanford / CIS: o julgamento do ano para direitos autorais e internet

Stravinsky
O Center for Internet and Society (CIS) da universidade de Stanford tem uma importante atuação na área de direito e internet. A página do centro trata de temas relevantes e atuais como o uso de boa fé de obras protegidas por direitos autorais (fair use), propriedade intelectual em geral, privacidade etc. Tem muita coisa bacana, vale conferir.

Picasso
Pois bem, o CIS acompanhou, engajadamente, o julgamento do caso Golan v. Holder na Superma Corte dos EUA neste ano. Em 1994, o Congresso dos EUA retirou milhares de obras do domínio público para colocá-las sob proteção de direitos autorais: sinfonias do Stravinsky, livros de Virginia Wolf, filmes do Fellini e do Hitchcock e arte do Picasso.

A grita (com toda razão!) foi geral. A discussão chegou à Suprema Corte sete anos depois - esse é o caso Golan. A transcrição do caso, direto do site da Suprema Corte, está aqui. A página do CIS com informações sobre o caso está aqui.

Para quem quer estar antenado com o estado da arte da discussão sobre PI ou direitos autorais, leitura obrigatória.