Metablog Jurídico é uma reunião de posts, textos, podcasts, vídeos e outras referências tiradas de um conjunto de páginas de instituições de ensino, centros de pesquisa, blogs de acadêmicos e outros foros de apresentação e debates sobre temas jurídicos relevantes.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A autoridade é um feitiço (e a vida é um moinho)

Van Gogh, Le Moulin de la Galette (1886)
Passei as últimas 24 horas tentando processar a entrevista do ministro Luiz Fux à jornalista Mônica Bergamo, publicada em duas páginas cheias da Folha de S. Paulo de ontem. Confesso que sigo precisando de sal de frutas, porque não sei bem o que dela extrair. Aos leitores que quiserem contribuir, oferecendo comentários e interpetações, desde já agradeço.

O que mais me ocorre é uma reflexão sobre as condições de autoridade de um magistrado, seja ele juiz da gloriosa Jaru-RO, ou de uma corte suprema.

Por que razão confiamos que a investidura de uma pessoa em um cargo no Judiciário é, por si só, capaz de, como um feitiço, dotar essa pessoa de autoridade para julgar outras? Isso não se deve, evidentemente, ao aparato de força estatal que ela tem a prerrogativa de comandar, expedindo mandados e dando ordens para policiais e oficiais de justiça. A força estatal garante apenas - perdoem o pleonasmo - força, e não autoridade. São coisas distintas.

A força, bruta, vira autoridade quando quem a sofre (o jurisdicionado, neste caso) aceita a sua legitimidade. Normalmente, a autoridade legítima sequer precisa da força para fazer valer a sua vontade, embora ela deva sempre estar ao seu - e apenas ao seu - dispor. Autoridade é, por isso, uma espécie de encanto, que une aquele que ordena e aquele que recebe a ordem: o primeiro age sob a crença de que é seu direito comandar, e o segundo, porque também crê nesse mesmo direito de comando, vê-se no dever de obedecer.

Como, afinal, um magistrado adquire esse capital moral - a autoridade? Em minha ciência política de botequim, julgo que há duas condições essenciais: 1) percepção social de notório saber jurídico; 2) percepção social de independência ao julgar.

Não vejo como aceitarmos a autoridade de um magistrado se nele enxergarmos insegurança técnica ou incapacidade de, por qualquer motivo, dizer o que seja "o bom direito", como diziam os romanos. E muito menos se não confiarmos na sua isenção para, ao julgar um processo, avaliá-lo a partir das provas produzidas e de sua interpretação juridicamente consistente, e sobretudo isenta e honesta, do que seja o direito aplicável ao caso.

Embora todos saibamos que o processo de candidatura (não há palavra melhor) a ministro do STF envolve apoios políticos de todas as sortes, fico me perguntando que vantagem leva um magistrado - pensando apenas no fortalecimento ou enfraquecimento de sua autoridade, pois é só isso que vale na figura de um juiz - ao contar publicamente que suplicou pela vaga, que vinha postulando a candidatura desde 2004 sem sucesso, que já havia perdido três vezes antes de ser nomeado, que sentou-se à mesa com todo mundo entre a FIESP e o MST (sendo evidente que não dá para agradar aos dois concomitantemente), que buscou apoio, e foi positivamente apoiado, por réus que viria a julgar no caso do mensalão... Que vantagem?

Quem acha que abrir-se dessa forma leva a um incremento de sua autoridade jurisdicional - que, enfim, os jurisdicionados o respeitarão mais, e não menos, por essas declarações - está, de duas uma:

1) ou com uma péssima autoimagem, porque julga que sua autoridade, antes de uma entrevista dessas, está ainda abaixo do que estará depois dela;

2) ou sob a mais equivocada impressão sobre como se constrói a autoridade de um juiz, pensando que ser transparente, sobre o que quer que seja (de suas alianças políticas a seus hábitos alimentares) aumenta sua estima pública como julgador.

No primeiro caso, o julgador se enfraquece. Não só perante os jurisdicionados, mas, num ambiente colegiado como o STF, perante seus prórpios pares, o que tende a dificultar que ele puxe a fila de votos vencedores em casos difíceis. No segundo caso, o julgador tende a tocar guitarra na festa de posse do presidente do tribunal e fazer confissões sobre seus implantes capilares. Constrange-se em vão, porque nada disso o fortalece.

Para concluir, fico pensando em como o ministro Joaquim Barbosa, implacável que é com explicações bambas e pouco convincentes, terá interpretado as seguintes declarações:

1) "Eu confesso a você que naquele momento eu não me lembrei" [que José Dirceu, a quem Fux entregara seu currículo, pedindo nomeação a Lula, era réu no mensalão.] "Porque a pessoa, até ser julgada, ela é inocente."

2) "Eu não sabia [que Dilma tinha ligações com Dirceu, o PT e Lula]. Sinceramente."

Não lembrou que Dirceu era réu? Não sabia que Dilma tinha ligações com Lula e PT???

"Sinceramente" digo eu!

Lembrou-me Cartola:

Quando notares estás à beira do abismo
Abismo, que cavaste com teus pés.

E como cavou...

Abaixo, a (longa) íntegra das duas entrevistas, para que todos formem suas opiniões. A Folha escorregou recentemente em duas entrevistas, razão pela qual é sempre bom ficar atento a desmentidos e erratas nas próximas edições do jornal. Mas confesso que minha confiança na Mônica Bergamo é maior do que a que tenho na média do jornal.

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Em campanha para o STF, Fux procurou Dirceu

Magistrado diz que na época não lembrou que petista era réu do mensalão, processo que poderia vir a julgar

Ministro afirma que, na conversa, pediu que seu currículo fosse entregue ao então presidente Lula

MÔNICA BERGAMO COLUNISTA DA FOLHA
 
O ministro Luiz Fux, 59, diz que desde 1983, quando, aprovado em concurso, foi juiz de Niterói (RJ), passou a sonhar com o dia em que se sentaria em uma das onze cadeiras do Supremo Tribunal Federal (STF).
Quase trinta anos depois, em 2010, ele saía em campanha pelo Brasil para convencer o então presidente Lula a indicá-lo à corte.
Fux era ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o penúltimo degrau na carreira da magistratura. "Estava nessa luta" para o STF desde 2004 -sempre que surgia uma vaga, ele se colocava. E acabava preterido. "Bati na trave três vezes", diz.

AVAL
Naquele último ano de governo Lula, era tudo ou nada.
Fux "grudou" em Delfim Netto. Pediu carta de apoio a João Pedro Stedile, do MST. Contou com a ajuda de Antônio Palocci. Pediu uma força ao governador do Rio, Sergio Cabral. Buscou empresários.
E se reuniu com José Dirceu, o mais célebre réu do mensalão. "Eu fui a várias pessoas de SP, à Fiesp. Numa dessas idas, alguém me levou ao Zé Dirceu porque ele era influente no governo Lula."
O ministro diz não se lembrar quem era o "alguém" que o apresentou ao petista.
Fux diz que, na época, não achou incompatível levar currículo ao réu de processo que ele poderia no futuro julgar. Apesar da superexposição de Dirceu na mídia, afirma que nem se lembrou de sua condição de "mensaleiro".
"Eu confesso a você que naquele momento eu não me lembrei", diz o magistrado. "Porque a pessoa, até ser julgada, ela é inocente."
Conversaram uma só vez, e por 15 minutos, segundo Fux. Conversaram mais de uma vez, segundo Dirceu.
A equipe do petista, em resposta a questionamento da Folha, afirmou por e-mail: "A assessoria de José Dirceu confirma que o ex-ministro participou de encontros com Luiz Fux, sempre a pedido do então ministro do STJ".
Foram reuniões discretas e reservadas.

CURRÍCULO
Para Dirceu, também era a hora do tudo ou nada.
Ele aguardava o julgamento do mensalão. O ministro a ser indicado para o STF, nos estertores do governo Lula, poderia ser o voto chave da tão sonhada absolvição.
A escolha era crucial.
Fux diz que, no encontro com Dirceu, nada disso foi tratado. Ele fez o seguinte relato à Folha:
Luiz Fux -Eu levei o meu currículo e pedi que ele [Dirceu] levasse ao Lula. Só isso.
Folha - Ele não falou nada [do mensalão]?
Ele falou da vida dele, que tava se sentindo... em outros processos a que respondia...
Tipo perseguido?
É, um perseguido e tal. E eu disse: "Não, se isso o que você está dizendo [que é inocente] tem procedência, você vai um dia se erguer". Uma palavra, assim, de conforto, que você fala para uma pessoa que está se lamentando.

"MATO NO PEITO"
Dirceu e outros réus tiveram entendimento diferente. Passaram a acreditar que Fux votaria com eles.
Uma expressão usual do ministro, "mato no peito", foi interpretada como promessa de que ele os absolveria.
Fux nega ter dado qualquer garantia aos mensaleiros.
Ele diz que, já no governo Dilma Rousseff, no começo de 2011, ainda em campanha para o STF (Lula acabou deixando a escolha para a sucessora), levou seu currículo ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Na conversa, pode ter dito "mato no peito".
Folha - Cardozo não perguntou sobre o mensalão?
Não. Ele perguntou como era o meu perfil. Havia causas importantes no Supremo para desempatar: a Ficha Limpa, [a extradição de Cesare] Battisti. Aí eu disse: "Bom, eu sou juiz de carreira, eu mato no peito". Em casos difíceis, juiz de carreira mata no peito porque tem experiência.
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Em 2010, ainda no governo Lula, quando a disputa para o STF atingia temperatura máxima, Fux também teve encontros com Evanise Santos, mulher de Dirceu.
Em alguns deles estava o advogado Jackson Uchôa Vianna, do Rio, um dos melhores amigos do magistrado.
Evanise é diretora do jornal "Brasil Econômico". Os dois combinaram entrevista "de cinco páginas" do ministro à publicação.
Evanise passou a torcer pela indicação de Fux.
Em Brasília, outro réu do mensalão, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), articulava apoio para Fux na bancada do PT.
A movimentação é até hoje um tabu no partido. O deputado Cândido Vacarezza (PT-SP) é um dos poucos que falam do assunto.
Vacarezza - Quem primeiro me procurou foi o deputado Paulo Maluf. Eu era líder do governo Lula. O Maluf estava defendendo a indicação e me chamou no gabinete dele para apresentar o Luiz Fux. Tivemos uma conversa bastante positiva. Eu tinha inclinação por outro candidato [ao STF]. Mas eu ouvi com atenção e achei as teses dele interessantes.
Folha - E o senhor esteve também na casa do ministro Fux com João Paulo Cunha?
Eu confirmo. João Paulo me ligou dizendo que era um café da manhã muito importante e queria que eu fosse. Eu não te procurei para contar. Mas você tem a informação, não vou te tirar da notícia.
O mensalão foi abordado?
Não vou confirmar nem vou negar as informações que você tem. Mas eu participei de uma reunião que me parecia fechada. Tinha um empresário, tinha o João Paulo. Sobre os assuntos discutidos, eu preferia não falar.
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Fux confirma a reunião. Mas diz que ela ocorreu depois que ele já tinha sido escolhido para o STF. Os petistas teriam ido cumprimentá-lo.
Na época, Cunha presidia comissão na Câmara por onde tramitaria o novo Código de Processo Civil, que Fux ajudou a elaborar.
Sobre Maluf, diz o magistrado: "Eu nunca nem vi esse homem". Maluf, avisado do tema, disse que estava ocupado e não atendeu mais às chamadas da Folha. Ele é réu em três processos no STF.

CHORO
No dia em que sites começaram a noticiar que ele tinha sido indicado por Dilma para o STF, "vencendo" candidatos fortes como os ministros César Asfor Rocha e Teori Zavascki, também do STJ, Fux sofreu, rezou, chorou.
Luiz Fux - A notícia saiu tipo 11h. Mas eu não tinha sido comunicado de nada. E comecei a entrar numa sensação de que estavam me fritando. Até falei para o meu motorista: "Meu Deus do céu, eu acho que essa eu perdi. Não é possível". De repente, toca o telefone. Era o José Eduardo Cardoso. Aí eu, com aquela ansiedade, falei: "Bendita ligação!". Ele pediu que eu fosse ao seu gabinete.
No Ministério da Justiça, ficou na sala de espera.
Luiz Fux - Aí eu passei meia hora rezando tudo o que eu sei de reza possível e imaginável. Quando ele [Cardozo] abriu a porta, falou: "Você não vai me dar um abraço? Você é o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal". Foi aí que eu chorei. Extravasei.
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De fevereiro de 2011, quando foi indicado, a agosto de 2012, quando começou o julgamento do mensalão, Fux passou um período tranquilo. Assim que o processo começou a ser votado, no entanto, o clima mudou.
Para surpresa dos réus, em especial de Dirceu e João Paulo Cunha, ele foi implacável. Seguiu Joaquim Barbosa, relator do caso e considerado o mais rigoroso ministro do STF, em cada condenação.
Foi o único magistrado a fazer de seus votos um espelho dos votos de Barbosa. Divergiu dele só uma vez.
Quanto mais Fux seguia Barbosa, mais o fato de ter se reunido com réus antes do julgamento se espalhava no PT e na comunidade jurídica.
Advogados de SP, Rio e Brasília passaram a comentar o fato com jornalistas.
A raiva dos condenados, e até de Dilma, em relação a Fux chegou às páginas dos jornais, em forma de notas cifradas em colunas -inclusive da Folha.
Pelo menos seis ministros do STF já ouviram falar do assunto. E comentaram com terceiros.
Fux passou a ficar incomodado. Conversou com José Sarney, presidente do Senado. "Sei que a Dilma está chateada comigo, mas eu não prometi nada." Ele confirma.
Na posse de Joaquim Barbosa, pouco antes de tocar guitarra, abordou o ex-deputado Sigmaringa Seixas, amigo pessoal de Lula. Cobrou dele o fato de estarem "espalhando" que prometera absolver os mensaleiros.
Ao perceber que a Folha presenciava a cena, puxou a repórter para um canto. "Querem me sacanear. O pau vai cantar!", disse. Questionado se daria declarações oficiais, não respondeu.
Dias depois, um emissário de Fux procurou a Folha para agendar uma entrevista.
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'Pensei que não tinha provas; li o processo e fiquei estarrecido'

Fux diz que não fez promessa a acusados e afirma que não troca consciência por cargo

Ministro diz que é 'do bem' e que pior função do magistrado é julgar e condenar réus de processos criminais

Sentado num sofá de couro preto na sala de sua casa, em Brasília, na terça passada, o ministro Luiz Fux ainda estava sob o efeito da repercussão da posse de Joaquim Barbosa, na semana anterior.
Ele roubou a cena ao fazer um discurso de mais de 50 minutos repleto de agradecimentos e elogios à presidente Dilma Rousseff.
Mais tarde, na festa, tocou guitarra para homenagear o novo presidente do Supremo.
Fux já tocou em banda. Em 2011, compôs uma canção. "Fala das virtudes das mulheres. O Michael Sullivan musicou e vai colocá-la em seu novo CD". O título: "Ela". O refrão: "Capaz de ir ao céu por uma estrela/Que ilumina e brilha o ser amado".
"O Fagner também quer fazer uma versão. E a gente ainda tem a ambição de levar para o Roberto Carlos ver."
O ministro pede para a cozinheira, dona Lourdes, trazer uma bandeja com refrigerantes. Só diet.
Fux é vaidoso, e assume. "Já fiz implante capilar." Pensa em fazer cirurgia para retirar as bolsas embaixo dos olhos. E só. "Plástica em rosto de homem fica horrível."
Corre 4 km por dia. Faz ginástica. Luta jiu-jitsu. Toma suco verde "todo dia, que te deixa sempre rejuvenescido". E guaraná em pó "numa fórmula que eu inventei, com Targifor C. Tomo ácido linoleico também, porque aí você corre, perde mais fluido, transpira, entendeu?".
"Eu tenho que me cuidar", diz. "Quando a roupa aperta, eu neurotizo."
Na entrevista à Folha, o ministro falou sobre a bronca que levou da mãe, a médica Lucy Fux, 84, por ter tocado guitarra na posse de Barbosa. E sobre o encontro que teve com réus do mensalão antes do julgamento do caso. Leia abaixo um resumo da conversa. (MÔNICA BERGAMO)
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BRONCA DA MÃE
A felicidade é uma coisa efêmera. E naquele dia [da posse de Joaquim Barbosa] eu estava muito feliz. E me dei o direito de homenagear o Joaquim com uma música. Se meu pai fosse vivo, me reprimiria sobremodo. Não tenha dúvida. Assim como minha mãe o fez. Eu não imaginava que fosse ter essa repercussão. Certamente não se repetirá.

JOSÉ DIRCEU
Falei com ele 15 minutos [em 2010]. Ele disse que levaria meu perfil e conversaria com o presidente Lula. Aí eu soube que trabalhava para outro candidato [Fux não diz quem é]. Por isso é que não entendo essas críticas. O Zé Dirceu apoiou outro, o Lula não me nomeou, e a toda hora se ouve isso. E outra coisa: não troco consciência e independência por cargo. Então não tem nada a ver uma coisa com a outra. Eu fui nomeado pela Dilma.

DILMA
Eu não sabia [que Dilma tinha ligações com Dirceu, o PT e Lula]. Sinceramente. A informação que nós tínhamos era outra. Que a Dilma tem a independência dela, a postura dela, faz as escolhas que ela quer. Ela não nomeou quem o José Dirceu e o Lula apoiavam. Engraçado, para mim, sinceramente, eu acho que a meritocracia, para a presidenta Dilma, conta muito.

ESTARRECIDO
Havia [em 2010] essa manifestação cotidiana e recorrente de que não havia provas [para condenar os mensaleiros]. Eu só ouvia as pessoas dizendo "não tem prova, não tem prova, não tem prova". Eu tinha a sensação "bom, não tem provas". Eu pensei que realmente não tivesse. Quando fui ler o processo, no recesso [julho], dez horas por dia, 50 mil páginas, 500 volumes de documentos, verifiquei que tem prova. Eu fiquei estarrecido.

PROMESSA
Não, imagina [se fez a algum réu, quando concorria ao STF, promessa de absolvição]. Nem podia dizer [que achava que não havia provas]. Seria uma leviandade, eu não conhecia o processo.

ELO
O que se pode imaginar [sobre a origem da contrariedade] é isso: havia uma cultura difundida de que não havia provas. Quando tomei posse, declarei a um jornal: "Se não tiver provas, eu absolvo; se tiver, condeno". Esse elo foi sendo levado ao extremo. Só que eu disse isso numa época em que não conhecia o processo. E aí entra a independência do juiz.

IMPROCEDENTE
Mas isso [críticas] pode ser uma coisa arquitetada. Como é que ele [Dirceu] vai ter raiva se ajudou uma outra pessoa? Como é que o outro [Lula] tem raiva se ele não me nomeou?

PROVAS
Seria um absurdo condenar alguém sem provas. Eu não teria condições de dormir se fizesse isso. Te confesso do fundo do coração.

SONHO
Todo juiz tem essa ambição de chegar ao Supremo. Eu uso a expressão: quem não quer ser general tem que ir embora do Exército. Fui candidato três outras vezes [entre 2004 e 2010]. Busquei apoio demais. Viajei para o Nordeste, achava que tinha que ter o maior apoio político possível. O que é um erro porque o presidente não gostava desse tipo de abordagem. Quando nomeia, ele quer que seja um ato dele.

RITUAL
É uma campanha. Tem um ritual. Você tem que fazer essa caminhada política necessariamente. Como eu me apresentava? Mostrando que sou uma pessoa que gosta de bater papo, carioca, despojado. E, ao mesmo tempo, currículo. Mas só meritocracia não vai.

ANTÔNIO PALOCCI
Na primeira vez que concorri, havia um problema muito sério do crédito-prêmio do IPI que era um rombo imenso no caixa do governo. Ele era ministro da Fazenda e foi ao meu gabinete [no STJ]. Eu vi que a União estava levando um calote. E fui o voto líder desse caso. Você poupar 20 bilhões de dólares para o governo, o governo vai achar você o máximo. Aí toda vez que eu concorria, ligava para ele.

DELFIM NETTO
Em 2009, participei com ele de um debate sobre ética, sociedade e Justiça. Fizemos uma amizade, batemos um papo. E aí comecei a estreitar. Porque, claro, alguém me disse: "Olha, o Delfim é uma pessoa ouvida pelo governo". Aí eu colei no pé dele [risos].

STEDILE
Ele me apoia pelo seguinte: houve um grave confronto no Pontal do Paranapanema e eu fiz uma mesa de conciliação no STJ entre o proprietário e os sem-terra. Depois pedi a ele para mandar um fax me recomendando e tal. Ele mandou.

SERGIO CABRAL
Eu sou amigo dele e também da mulher dele. E ele levou meus currículos [para Dilma]. Você tem que ter uma pessoa para levar seu perfil e seu currículo a quem vai te nomear. Senão, não adianta. Agora, também não posso me desmerecer a esse ponto: eu tinha um tremendo currículo, 17 livros publicados.

NEPOTISMO
Eu acho uma violação à isonomia [a proposta, defendida por Joaquim Barbosa, de que familiares de magistrados sejam proibidos de advogar em tribunais em que estão seus parentes]. E esses meninos e essas meninas que foram criados aqui em Brasília? E esses meninos filhos de ministros? Você estigmatiza.

MENSALÃO NA TV
Eu não sou muito favorável à TV Justiça, embora esteja introjetada no povo a ideia de que ela dá transparência aos julgamentos. Eu não sei nem onde fica a câmera. O juiz se acostuma a viver na solidão, mesmo na presença de várias pessoas. Num caso como o do mensalão, a opinião pública não pode ter interferência absolutamente nenhuma.

CONDENAR
A pior função do magistrado é essa. Entendo inclusive que o Supremo poderia abdicar dessa competência para as instâncias inferiores, até para que elas possam analisar [processos] sem grandes exposições. Eu tive muita preocupação no meu voto [no mensalão] de falar em "agremiação partidária", "primeiro denunciado". Eu não queria politizar o voto, estigmatizar ninguém.

DO BEM
Eu te confesso que tenho esse pendor como ser humano e como magistrado. Eu acho a pior coisa [julgar e condenar em processos criminais]. Se pudesse, diria "eu quero fazer tudo, menos isso". Você pode pesquisar para saber o que as pessoas pensam de mim sobre a minha característica, o lado humano. Eu sou o que eu sou. Eu sou assim, eu sou do bem.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ética e delação premiada

Artigo que publiquei hoje (quinta, 29/11/2012) no Estadão sobre o reconhecimento de Roberto Jefferson como réu colaborador na ação penal do mensalão.



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: América Latina no Contexto Global


Porta de Cadeia - ótimo artigo de Gabeira no Estadão de hoje, 23/11/2012

Reflexões na porta de cadeia

23 de novembro de 2012


FERNANDO GABEIRA
O escritor Henry David Thoreau disse que todo cidadão deveria visitar uma cadeia para ter uma ideia do nível de civilização da sociedade em que vive. É um desejo contra a corrente: todos querem esquecer a cadeia, um espaço de dramas e tristeza, uma espécie de purgatório onde as almas cumprem a sua pena.

A reforma do sistema penitenciário sempre foi um tema da esquerda brasileira. Assim que terminou a ditadura militar, formamos comissão para entrar nas prisões e estimulamos os mutirões destinados a liberar os que já haviam cumprido sua pena. Brizola foi mais longe, autorizando a implosão do presídio da Ilha Grande. Pessoalmente, preferia que o presídio fosse restaurado, com múltiplos usos, e permanecesse como referência histórica. Hoje são escombros e só os mais velhos se lembram daquilo, assim como do próprio lazareto, um espaço cavernoso na ilha que no período colonial servia para prender estrangeiros indesejáveis, alguns em regime de quarentena.

O PT faz parte dessa história. Formada no momento em que houve um massacre em Franco da Rocha, a Comissão Teotônio Vilela visitou dezenas de presídios. Dela participavam importantes intelectuais do PT: Antonio Candido, Marilena Chauí e Hélio Pellegrino, entre outros.

A primeira Comissão de Direitos Humanos da Câmara foi inspirada pelo deputado mineiro Nilmário Miranda (PT). Depois dele, Marcos Rolim (PT-RS) organizou uma caravana nacional para denunciar as condições carcerárias. Recentemente, o deputado Domingos Dutra (PT-MA) fez de novo a peregrinação pelos presídios. Estivemos juntos em São Luís, onde alguns presos foram decapitados num motim.

Com esse passado, fiquei perplexo com a afirmação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de que preferia morrer a viver anos numa "prisão nossa". Foram dez anos de governo petista, com vários ex-prisioneiros em sua cúpula, a começar pela presidenta Dilma Rousseff. Será que o tempo passou assim de forma tão imperceptível para os que assumiram o poder em 2002?

Nossas palavras não corresponderam aos fatos, nossa piscina está cheia de ratos. Nos presídios, o governo petista foi apenas uma continuidade medíocre das forças que combatia.

As cadeias brasileiras ganharam visibilidade com a passagem por elas de intelectuais da esquerda. A própria Ilha Grande foi celebrizada por Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere, transformado em filme. Com a prisão dos opositores ao regime militar de 64, nova luz se fez sobre os presídios. Daí, no período de democratização, os inúmeros esforços para chamar a atenção sobre eles e a necessidade de humanizá-los e modernizá-los.

Com pena superior a dez anos, o destino de José Dirceu despertou em Cardozo e no ministro do Supremo Tribunal Dias Toffoli, uma nova reflexão sobre o Código Penal e os presídios. Não é o mesmo tipo de prisão de Graciliano, de Nise da Silveira ou mesmo dos opositores da ditadura militar. Os argumentos não são mais políticos nem se fala em investimentos e reformas em presídios. Toffoli lamentou que um diretora do Banco Rural fosse presa porque era uma bailarina e não representava perigo. Açougueiros ou motoristas de caminhão representam algum perigo? Sua tese indicava que a cadeia deveria ser reservada aos crimes de sangue.

Não se deve ser como a China, que fuzila corruptos. Mas daí a ter uma nova tolerância com a corrupção vai enorme distância. Não era a esquerda que afirmava que a corrupção, desviando recursos vitais para os mais pobres, os condena à morte mais rápida? É uma ironia que uma parte do universo político se interesse pelas penitenciárias porque José Dirceu foi condenado.

No mundo real - em que os delicados, como dizia o poeta, preferiam morrer -, incêndios de ônibus, assassinatos, rastros de fumaça, tudo parece vir dos presídios. Maus tratos e execuções sumárias são usados como pretexto para incendiar as ruas. Uma política real de direitos humanos tende a reduzir esses pretextos. Mas, ainda assim, há novos elementos que a experiência no campo dos direitos humanos me obriga a refletir. O primeiro é o silêncio com que o movimento recebe a morte de policiais. Continuamos vendo os direitos humanos ameaçados apenas pelo Estado, ignorado novas frentes de ameaça, como traficantes e milícias.

Outra ilusão, que os ingleses superaram: a de que os presos cessam de cometer crimes quando vão para a prisão. Eles criaram um setor destinado a prevenir, investigar e até punir os crimes dentro dos presídios. A situação carcerária é muito complicada nas cadeias superlotadas, mas também nas chamadas penitenciárias de segurança máxima, onde estão os presos mais perigosos.

O mensalão é uma gota nesse oceano que envolve 300 mil pessoas e suas famílias. Não se resolve a questão como na vida cotidiana. Roberto DaMatta diz que muitos brasileiros odeiam fila porque é um tratamento democrático. E às vezes dão um jeito de obter um tratamento especial.

As falas de Cardozo e Toffoli não me entristecem apenas porque ressaltam a ineficácia do governo na reforma dos presídios. Entristecem porque a esquerda, além de desprezar o discurso humanista na prática do poder, opta, em defesa própria, pela visão aristocrática que tanto combateu no século passado.
O problema dos presídios continua a existir, apesar de todas as abordagens escapistas. Por que não aproveitar o momento e encarar uma reforma?

É preciso aceitar a premissa de que a cadeia é para todos os condenados a ela. Isso dá novo sentido àquela frase de Thoreau. É bom conhecer a cadeia não só para testar o nível de civilização do País. Um dia, você mesmo, ou alguém muito próximo, pode passar alguns anos por lá.

Ainda sonho com a cadeia. Não com as paredes de concreto, sua atmosfera, mas como uma sensação abstrata de imobilidade. É apenas a metáfora da inércia diante de atitudes que precisam ser tomadas no cotidiano.

Os presídios no Brasil são da Idade Média, diz o ministro. E as nossas cabeças foram detidas quando? Em que cela ou calabouço elas adormecem até hoje?

Como dizia o humorista carioca Don Rossé Cavaca: acorda, já é 2012 e você precisa trabalhar.

Os precedentes da AP470

O caso do mensalão - Ação Penal 470 - tem recebido muito destaque, entre outras coisas, porque é muito peculiar. Nunca antes um conunto tão grande de pessoas política e economicamente poderosas foi condenada de maneira tão célere e dura como neste caso.

A esperança de que o mensalão represente uma mudança de padrões na política brasileira, bem como no comportamento do Poder Judiciário em face da criminalidade de pessoas poderosas, só se sustenta diante do pressuposto de que ele marcará um precedente aplicável a casos futuros.

A questão é: como saber se os vereditos da AP 470 constituirão, de fato, precedentes? O fato de o caso ser muito único de alguma forma limita seu potencial para servir como padrão para casos futuros? (Da mesma forma que, na própria AP 470, a ação penal que absolveu o Collor não valeu como precedente para os casos de corrupção passiva?)

Compartilho, abaixo, uma boa reflexão a esse respeito, publicada n'O Estado de S. Paulo de ontem.











A questão dos precedentes não tem só relevância para os países de common law, como alguns imaginam. A exigência de que casos passados sirvam de parâmetro para casos futuros semelhantes não é uma demanda de uma família jurídica particular, mas sim de justiça procedimental. É um pressuposto da própria noção de que regras têm algum valor em processos decisórios, e essa é uma esperança que nutrimos também no mundo do direito romano-germânico.

Para uma boa leitura a esse respeito, que não posso postar aqui por respeito a normas de direitos autorais, sugiro o ótimo, ótimo, ótimo (não posso enfatizar isso suficientemente) Retórica e Estado de Direito, de Neil MacCormick, disponível em português (Ed. Elsevier) em uma confiável tradução. Em tempo: MacCormick, falecido recentemente, é escocês, e a Escócia, ao contrário do que muitos imaginam, é um país com sistema jurídico em grande parte de civil law, ainda que faça parte do Reino Unido. (Vá entender... Se o Weber não conseguir decifrar "a questão da inglaterra", quem sou eu para tentar.)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

@ DeJusticia: Defesa da vida desde a concepção? Proibição de fertilização in vitro na Costa Rica


Já viram alguém defender a vida através do banimento de tecnologia que possibilita a casais de baixa fertilidade que engravidem? É mais ou menos como combater obsidade infantil distribuindo Baconzitos nas escolas, não?

Pois a Costa Rica fez justamente isso, ao proibir, em nome da defesa de vida "desde a concepção", a fertilização in vitro (FIV). Trata-se do único país latinoamericano a bancar esta política genial (com G ou J?). Para uma breve notícia sobre a política costariquenha, clique aqui.

A proibição da FIV foi validada pela suprema corte da Costa Rica ("Sala Constitucional") em 2000 e está agora sendo questionada perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em breve emitirá decisão a respeito (Caso Artavia Murillo y otros vs. Costa Rica).

Nesse processo, a ONG colombiana DeJusticia - que reúne alguns dos melhores juristas da Colômbia - apresentou um ótimo amicus curiae perante a CIDH, argumentando que a política agride a todos os direitos sexuais e reprodutivos que se possa imaginar, além de uns e outros ligados à liberdade de pensamento (porque restringe a liberdade científica injustificadamente). E, melhor, o faz de maneira breve, consistente e bem fundamentada. Compartilho com os leitores do Metablog a peça, que bem poderia servir de modelo para nossos arrazoados foreneses. Basta clicar aqui. É um bom exemplo de argumentação em caso de conflitos de direitos fundamentais.




sábado, 20 de outubro de 2012

Artigo citado no plenário no julgamento do mensalão

Na sessão de 18/10/2012, um artigo meu, publicado n'O Estado de S. Paulo, foi lido em plenário, praticamente na íntegra, pelo ministro Ricardo Lewandowski. Compartilho este momento, que para mim é naturalmente muito especial, com os leitores do Metablog.



Abaixo, a íntegra do artigo trazido ao plenário pelo Lewandowski, publicado na mesma data (18/10) no Estadão.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Perante a Comissão da Verdade, Ustra não tem direito ao silêncio



A Comissão Nacional da Verdade, tão logo constituída, iniciou suas atividades com objetivo de cumprir sua missão: efetivar o direito à memória e à verdade histórica relativo a períodos importantes da história do Brasil.


A lei que criou a Comissão deu-lhe instrumentos necessários para atingir seus objetivos. Um deles é o poder de convocar, “para entrevistas ou testemunho, pessoas que possam guardar qualquer relação com os fatos e circunstâncias” por ela examinados.

Ao mesmo tempo, a mesma lei cuidou de esclarecer que, em respeito ao entendimento prevalecente de que é vigente a Lei de Anistia de 1979, inclusive com manifestação expressa recente do STF nesse sentido, a Comissão da Verdade não tem “caráter jurisdicional ou persecutório”.

O coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra foi convocado pela Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, em convênio com a Comissão Nacional da Verdade, para prestar depoimento sobre fatos que pertencem ao escopo de apuração dessas entidades, sobre os quais ele muito terá a revelar. Entre 1970 e 1974, Ustra comandou o DOI-Codi em São Paulo.

Alguns jornais têm dito que, comparecendo, Ustra poderia fazer uso do direito ao silêncio, assegurado pela Constituição a investigados e acusados. Não sei de onde vem essa opinião (nenhuma notícia onde li essa informação referencia qualquer especialista como fonte), mas ela me parece errada.


A figura jurídica da convocação tem natureza compulsória: o convocado tem dever de comparecer, sob pena de responder criminalmente, em geral por desobediência (Código Penal, art. 330).

A testemunha não tem direito ao silêncio, só acusados e investigados o tem. O Direito assume que, à vista do que está em jogo para esses últimos – uma condenação criminal, coisa gravíssima – não lhes é exigível qualquer colaboração participativa com suas próprias acusações.

Juridicamente, a manifestação pessoal do acusado é um ato de defesa, não de informação. Daí o porquê de o acusado não ser punido, no direito brasileiro, por mentir em juízo, ao contrário da testemunha ou do perito, cuja função precípua é informar. A testemunha que minta ou cale a verdade será punida por falso testemunho (Código Penal, art. 342). A liberdade de permanecer em silêncio não aproveita a testemunha porque a ameaça que pende sobre o acusado ou investigado – a iminência de condenação penal – não paira sobre ela. 

Se alguém é convocado como pretensa testemunha, mas é um potencial investigado, essa burla investigativa deve ser corrigida para que seu direito ao silêncio seja garantido, como já fez diversas vezes o STF ao assegurar direito ao silêncio a convocados por CPIs. Mas, no caso de Ustra, essa possibilidade jurídica sequer existe: a Lei de Anistia impede sua punição e a lei de criação da Comissão Nacional da Verdade afirma expressamente não ter ela poder persecutório ou jurisdicional. Se há acusação contra Ustra, não se trata de uma acusação jurídica, mas sim histórica e moral.

A civilidade institucional em que hoje vivemos permite a Ustra, claro, clamar por esse direito perante o Judiciário. Contemplaremos então a ironia de assistir ao julgamento de uma ação que era inacessível aos investigados do DOI-Codi – um habeas corpus, vedado pelo AI-5 – para a proteção do mesmo direito ao silêncio que, à força, foi igualmente negado a muitos que passaram por seus porões.

Reviravoltas da história à parte, a correta leitura técnica da situação é inequívoca: Carlos Alberto Brilhante Ustra não tem direito jurídico ao silêncio em depoimento colhido sob autoridade da Comissão Nacional da Verdade.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

AP 470, sexto dia: prévia do dia

















Clique nas imagens para vê-las em tamanho real.


O texto da análise publicada hoje teve de ser editado. Gosto mais da versão original, que segue abaixo.

JULGAR O PRESENTE, INTERPRETAR O PASSADO

Rafael Mafei Rabelo Queiroz

A defesa de um dos réus da Ação Penal 470 sustentou ontem a tese de que as operações imputadas a seu cliente seriam práticas normais de mercado, mencionando outros tantos contratos assinados pelo Banco do Brasil com procedimentos idênticos, inclusive quanto aos bônus questionados.

Ser prática cotidiana não elimina, por si, a proibição de uma conduta. Dirigir alcoolizado continuará sendo ilícito muito embora aconteça reiteradamente.

 Há diferentes motivos pelos quais pode haver desencontro entre as normas e as práticas. Às vezes é proposital: se o direito quer mudar condutas socialmente arraigadas, confronta-as diretamente, sob ameaça de penas.

Em outras situações, porém, desencontro é descompasso: as práticas sociais mudam mais rapidamente do que as normas jurídicas. Nesses casos, a demarcação entre permitido e proibido é mais difícil de tracejar.

Processos econômicos e empresariais mais complexos implicam roupagens jurídicas cada vez mais sofisticadas. Uma campanha publicitária, objeto da discussão na ação penal do mensalão, apresenta ao STF polêmicas discussões acerca das complicadas estruturas societárias entre Banco do Brasil e Visanet, das funções daqueles que atuam em seus diversos comitês e até mesmo da titularidade dos valores que pagam o serviço: se o banco, público, e a empresa de cartões, privada, participam de um fundo cujos recursos vêm de porcentagem de vendas de cartões de crédito, de onde vem, afinal, o dinheiro? É público ou privado?

A acusação de peculato em relação a alguns dos réus depende dessa resposta, que tem de ser dada pela aplicação de uma norma prevista no Código Penal de 1940 (o tipo do peculato) às presentes operações empresariais do maior banco da América Latina, de uma gigante do mercado de cartões de crédito e de empresas publicitárias e seus muitos fornecedores.

Esse é um dado necessário de toda atividade humana presidida por regras: aplicar no presente as normas feitas no passado. Não se trata de um defeito do direito, que convive desde sempre com as zonas de penumbra dos conceitos legais. O estudo da intepretação jurídica têm história filosófica tão antiga quanto o próprio direito.

Se o distanciamento entre normas e realidade é muito grande, contudo, cria-se insegurança: quem julga fica obrigado a escolher entre a aplicação estrita da regra anacrônica e a interpretação criativa, que é lícita, mas torna um tanto mais imprevisível o veredito. Aqui está a verdadeira tensão entre técnico e político em casos tais.

(publicado em O Estado de S. Paulo, 10/08/2012, p. A6)

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O segundo dia de julgamento da AP 470


Clique na imagem do artigo para lê-lo em tamanho original.

Síntese do primeiro dia de julgamento da AP470

Um vídeo curto e o ótimo texto de Mario Schapiro publicado no Estadão de hoje (clique no texto para lê-lo em tamanho original). Eis a síntese da cobertura do Estadão, com apoio da Direito GV, sobre o primeiro dia do julgamento da AP 470.

Mais vídeos sobre o julgamento em: tv.estadao.com.br. Hoje à tarde tem mais em www.estadao.com.br/aovivo.



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quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Começa cobertura conjunta Direito GV - Estadão da Ação Penal 470 no STF (Mensalão)

                    
Começa hoje a cobertura do julgamento da Ação Penal 470, no STF, pela Direito GV e pelo jornal O Estado de S. Paulo, em parceria. Às 16h00, haverá um debate na redação do jornal, transmitido pela TV Estadão, comigo e com o constitucionalista Oscar Vilhena, direitor da Direito GV.

Para aquecer, uma análise que publiqueI hoje (01/08) no primeiro carderno da edição impressa:

Instância única pode afetar dinâmica de avaliação no STF

 Análise: Rafael Mafei Rabelo Queiroz (DOUTOR EM DIREITO E PROFESSOR DA DIREITO GV)

A decisão de um processo tão complexo como a Ação Penal 470, em instância única, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), poderá influenciar na dinâmica das sessões de julgamento de maneira incomum.
O STF é o órgão de cúpula do Poder Judiciário. Suas decisões voltam-se, normalmente, mais à interpretação da Constituição em face de demandas concretas e menos à produção e à análise de provas.
Casos célebres recentemente julgados pelo Supremo são exemplos disso: é constitucional a vedação de progressão de regime prevista na Lei dos Crimes Hediondos? O direito de liberdade de expressão abrange manifestações de cunho antissemita?

Além do STF, o Poder Judiciário como um todo tem outros órgãos, divididos em várias Justiças (estaduais, federal, trabalhista, militar, eleitoral), que por sua vez são fragmentadas em instâncias e juizados diversos. Eles conhecem, processam, julgam e reavaliam seus próprios atos, procedimentos e decisões.
Nesse labirinto jurisdicional abaixo do STF, as partes concebem e executam suas estratégias processuais e utilizam-se dos instrumentos legalmente previstos na busca de seus objetivos: recursos, habeas corpus, mandados de segurança, medidas cautelares, embargos e mais embargos.

Essa frenética burocracia jurisdicional simplifica-se conforme o processo ascende os degraus do Judiciário: as discussões na primeira instância são mais variadas do que as da segunda instância; daí para os tribunais superiores, as questões suscitadas são ainda mais pontuais; desses para o Supremo, mais específicas ainda. O afunilamento conforma a atuação das partes e limita suas possibilidades de ação. O protagonismo passa ao STF e a seus ministros.

A Ação Penal 470 subverterá essa lógica de afunilamento e pacificação processual progressiva. O intenso embate entre acusação e defesa não aconteceu nas instâncias inferiores. Essa litigiosidade contida pode aflorar durante as sessões de julgamento. As questões de ordem, previstas no Estatuto da Advocacia, permitem ao advogado levar questionamentos variados ao ministro relator ou ao presidente da sessão de julgamento. Os ministros terão de decidi-las de imediato.

A multiplicidade de réus coloca também o Supremo em posição inédita. Nunca uma ação penal de sua competência originária teve tantos acusados, muitos com linhas de defesa antagônicas umas às outras.
Há aí também outro fator de potencial complicação da liturgia combinada entre os ministros para o desenrolar das sessões de julgamento: eles poderão ter de arbitrar disputas entre os réus, para além de decidir sobre a procedência de todas as acusações contra cada um deles.

 

sexta-feira, 22 de junho de 2012

‘Estado’ terá apoio da Direito GV na cobertura do mensalão

@ O Estado de S.Paulo

Para a cobertura do processo do mensalão, que começa em 1.º de agosto no Supremo Tribunal Federal (STF), os leitores do Grupo Estado e usuários de suas várias plataformas digitais vão contar com um serviço inédito: a avaliação e interpretação, no dia a dia, de cada passo das sessões, por especialistas da Escola de Direito de São Paulo - a Direito GV.
 
A ideia é traduzir para o público leigo o jargão jurídico, avaliar estratégias de advogados, comentar altos e baixos e garantir ao usuário informação exata e de qualidade. Esses consultores, de uma das faculdades mais prestigiadas do mundo jurídico brasileiro, trabalharão até a última sentença em uma sala especial da própria escola, com a presença de profissionais do Grupo Estado.

"O julgamento dos réus do mensalão constitui um evento central no centro de consolidação do Estado de direito e da democracia no Brasil", afirma o diretor da escola, Oscar Vilhena. "Nesse cenário", acrescenta, "a colaboração da Direito GV com o Estado é um modelo inovador no entrosamento entre a academia e a imprensa, com a finalidade exclusiva de contribuir para que a opinião pública esteja bem informada sobre esse processo".

Os professores poderão também gravar comentários em vídeo e produzir textos próprios para as várias plataformas - os jornais impressos (Estado e Jornal da Tarde), o portal (estadão.com.br), a TV Estadão, aplicativos, a Agência Estado e a rádio EstadãoESPN. Um blog ao vivo e flashes tomados diretamente dessa sala de situação na FGV ajudarão a compor o leque de serviços, nos diferentes canais.

"Com essa parceria, o Estado reforça seu papel de não apenas relatar um evento com a dimensão do julgamento dos réus do mensalão, mas também de esmiuçar o significado dos principais pontos abordados em cada sessão ao longo de todo o processo", afirma Cida Damasco, editora-chefe do Estado.

"Faremos em parceria com a Direito GV uma tradução em tempo real dos termos usados na sessão e dos principais fatos do julgamento, o que vai nos permitir levar o julgamento do mensalão a um público mais amplo", acrescenta a editora-chefe de Conteúdos Digitais do Estado, Cláudia Belfort.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Que verdade quer a Comissão da verdade?

Excelente artigo de Helio Schwartzman na Folha de S. Paulo de hoje, que reproduzo integralmente aqui.

É preciso lembrar que os militantes da esquerda que cometeram roubos e sequestros, todos sabemos quem são. E o sabemos porque, à época, foram julgados, em processos formados a partir de provas colhidas mediante tortura e violências variadas. As auditorias militares brasileiras julgaram milhares de "antagonistas" do regime. Muitos foram condenados e cumpriram penas. Houve, portanto, identificação, punição e julgamento da esquerda - quando não o puro simples assassinato de seus membros.

Já os militares até hoje negam ter havido tortura, que é o óbvio ululante do período. Não há posição oficial sobre quem torturou, quem deixou torturar, quem matou, quem mandou sumir com os corpos. Há apenas relatos de perseguidos políticos do período apontando nomes de torturadores (como a lista de Prestes, de 1975 e a do projeto Brasil: Nunca Mais). Mas todos os apontados sempre negaram as acusações e ninguém jamais foi tido como responsável por torturas ou mortes pelo Estado brasileiro. Logo, é sobre este ponto que reside a dúvida que justifica a instauração de uma comissão da verdade.

O jogo das verdades sabidas deve ser empatado. Há infinitamente mais coisa a ser descoberta sobre os agentes da ditadura (civis e militares, frise-se bem) do que sobre os seus opositores à época, que já revelaram muito enquanto dominados por torturadores covardes.(Re)apurar os crimes da esquerda, só se for para entrar com revisão criminal em favor dos condenados nas auditorias militares Brasil afora.